A CPT Bahia se une a este lamento indígena de Robson Coelho
Com a morte de José Jesus da Silva,
lamentamos, profundamente entristecidos,
o descaso e a insensibilidade para com este povo,
o primeiro a avistar as caravelas
e a sofrer a chacina dos inocentes
que dura há 510 anos.
Até quando?
Havia felicidade, havia alegria
Todo dia era dia
Caça, pesca e colheita
Havia música tambores e dança.
Éramos livres na terra de ninguém
Éramos felizes pois a terra era de ninguém.
Mas aí sem ninguém perceber
A liberdade se foi
A vida se acabou
A terra sem dono com dono ficou\
E em terra de dono branco
a infelicidade indígena se instalou
Nos perseguiu, nos feriu,
nos refletiu um mundo doente
Um mundo carente,
um mundo pobre injusto e imundo.
Na terra de ninguém a natureza era vívida
Na terra de alguém homem branco a tudo poluiu
A tudo destruiu
A tudo poluiu
A tudo desconstruiu.
Insatisfeito com a falta de propriedade capitalizou
Num mundo cheio de liberdade escravizou
E onde morava a paz guerreou e matou e matou..
( Robson Coelho)
26/10/2010
Mais uma vida Pataxó Hã-Hã-Hãe é ceifada na luta pela terra
A disputa pela
terra na região de Pau Brasil e a demora no julgamento da Ação de
Nulidade de Títulos sob a Terra Indígena Caramuru Catarina Paraguassu
teve mais um episódio dramático e, como sempre, levando a vida de mais
uma liderança indígena. A notícia é do portal do Cimi, 25-10-2010.
Lideranças
indígenas do povo Pataxó Há-Hã-Hãe informaram que neste sábado (23), a
liderança indígena José Jesus da Silva, conhecido como Zé da Gata, foi
assassinado. O crime aconteceu por volta das 21 horas, na estrada que
liga o município de Pau Brasil a Itajú do Colônia. Zé da Gata levou um
tiro de rifle por indivíduos que conduziam uma moto, quando chegava à
área retomada da fazenda Bela Vista, que é terra tradicional Pataxó
Hã-Hã-Hãe. Ainda segundo informações das lideranças, Zé da Gata estava
levando mantimentos para o pessoal que se encontrava na área quando foi
alvejado.
Os Pataxó
Hã-Hã-Hãe, cansados de esperar que o STF retome o julgamento da Ação de
Nulidade de Títulos incidentes sobre o seu território tradicional,
retomaram no ultimo dia 4 de outubro cerca de 6 fazendas nos municípios
de Pau Brasil e Itajú do Colônia, e no dia 10 de outubro, sofreram
ataques violentos por parte de pistoleiros contratados pelos fazendeiros
invasores das áreas.
Esta situação fez
com que um grupo de lideranças fosse até Brasília e uma liderança a
Salvador solicitar que providências urgentes fossem adotadas para evitar
que situações de violência como esta acontecessem. A impressão para os
indígenas é que as solicitações não surtiram efeito pois, acostumados
com a impunidade que reina na região, os fazendeiros invasores
continuaram seus ataques e ontem conseguiram um dos seus intentos.
Ao longo destes 28
anos de luta pela reconquista de seu território, o povo Pataxó Hã-Hã-Hãe
vê agora sua 20ª liderança derramar seu sangue para que o povo recupere
seu território.
Histórico de mortes
· Em 1983,
o indígenas Antônio Júlio da Silva foi assassinado com um tiro na
cabeça por pistoleiros que trabalhavam a mando de um fazendeiro da
região.
· Em junho de 1986,
uma emboscada deixou gravemente feridos os indígenas Antônio Xavier,
com 10 tiros; Anivaldo Calixto, com um tiro no peito; Enedito Vítor, com
dois tiros e Leonel Muniz, com um tiro.
· Em novembro de 1986,
a aldeia São Lucas foi invadida por pistoleiros e soldados da Polícia
Militar, fortemente armados. Foram assassinados os indígenas Jacinto
Rodrigues e José Pereira. Uma criança recém-nascida também morreu no
conflito quando sua mãe fugia pela mata para se esconder dos tiros.
· No dia 29 de março de 1988,
foi encontrado morto o indígena Djalma Souza Lima, depois de ter sido
seqüestrado na aldeia. Seu corpo apresentava vários sinais de tortura:
unhas, dentes e couro cabeludo arrancados, castrado e com queimaduras em
várias partes.
· No final de 1988,
no dia 16 de dezembro, foi brutalmente assassinado o líder Pataxó
Hã-Hã-Hãe João Cravim, aos 29 anos de idade, casado e pai de três
filhos, numa emboscada na estrada que liga a aldeia à cidade de Pau
Brasil – BA.
· Nove anos depois, no dia 20 de abril de 1997,
o irmão de João Cravim, Galdino Jesus dos Santos, foi queimado vivo em
Brasília por cinco jovens da classe média alta, enquanto dormia numa
marquise de ônibus. Galdino fazia parte de um grupo de lideranças que
estava em Brasília para cobrar da Justiça providências para a
regularização de suas terras. O crime que chocou o país, até hoje clama
por justiça. Antes de entrar em coma, Galdino perguntou repetidas vezes:
“Por que fizeram isso comigo?”
· No dia 2 de janeiro de 2002,
Milton Sauba foi assassinado em frente ao seu filho, quando saíam para
retirar leite no curral da fazenda que estavam ocupando, todos sabem
quem são os culpados, mas nenhuma providência até o momento foi tomada.
· No dia 18 de julho de 2002,
o indígena Raimundo Sota foi brutalmente assassinado em uma tocaia ao
lado de sua casa. Raimundo já havia denunciado há alguns dias que vinham
sendo ameaçados por pistoleiros a mando dos fazendeiros da região. Três
dias antes do seu assassinato, houve uma tentativa de homicídio que
deixou ferido o índio Carlos Trajano, com cerca de 15 tiros.
· No dia 19 de maio de 2007,
o indígena Aurino Pereira dos Santos, de 40 anos, foi
assassinado a tiros em uma tocaia na região do Taquari, município de Pau
Brasil. O índio Aurino era participante ativo desse processo de luta do
povo Pataxó Hã-Hã-Hãe pela recuperação do seu território, participando
ativamente de várias retomadas, inclusive na região onde foi
assassinado, onde de dirigia a retomadas mais recentes na região do
Taquari e Braço da Dúvida.
É bom ressaltar que
ao longo destes anos, a Funai já realizou vários levantamentos
fundiários, tendo pago indenizações pelas benfeitorias de boa-fé à
maioria dos proprietários/possuidores. Uma minoria destes – os réus da
presente ACO – 312-BA, no entanto, não reconhece a terra como indígena
ou discorda do valor proposto pela Funai. E, apesar de serem minoria, as
áreas por eles ocupadas correspondem à maior parte da TI Caramuru –
Catarina – Paraguaçu. São estas áreas que foram retomadas no dia 4 de
outubro deste ano.
O dia 24 de
setembro de 2008 foi uma ótima oportunidade para que a sociedade pudesse
pagar a dívida histórica que tem com os Pataxó Hã-Hã-Hãe, que ao longo
dois séculos foram tão esbulhados dos seus direitos e mais recentemente
como na cronologia de violência apresentada acima, tão
violentados. Mas infelizmente, apesar do voto favorável do Ministro Eros
Grau no Supremo Tribunal Federal, o pedido de vista do Ministro Menezes
Direito frustrou esta oportunidade e a sua demora na retomada do
julgamento terminou resultando em mais uma morte.
Mesmo com todo este
quadro de violência, o povo Pataxó Hã-Hã-Hãe continua acreditando na
Justiça e aguarda que todos os criminosos sejam punidos, e que
finalmente as suas terras lhes sejam devolvidas, acabando assim com todo
o sofrimento vivenciado por esta comunidade. E que finalmente possam
viver como filhos de Deus na sua “Terra sem Males”.
É inadmissível que,
em pleno século XXI, situações como estas ainda ocorram. O povo Pataxó
Hã-Hã-Hãe, seus aliados, parceiros e apoiadores, solicitam que medidas
urgentes possam ser feitas de verdade, principalmente a devolução de
suas terras para que possam viver dignamente seu projeto de vida.
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