Inserido por: Administrador em 16/02/2012.
Fonte da notícia: Cimi - Assessoria de Comunicação
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Estado interfere e professores indígenas resistem na defesa da prática escolar diferenciada
Renato Santana
de Águas Belas (PE)
Mal
o dia começa a abrir seus olhos de luz sobre o mundo, os anciãos
Fulni-ô reúnem um grupo com 20, 30 crianças. Entre bocejos e remelas,
todos seguem do Ouricuri – ritual e território sagrado do povo – rumo à
mata. As vozes ecoam na língua materna, o iatê.
Na
terra úmida de orvalho e no frescor do verde, as crianças ouvem os
ensinamentos e aprendem a observar a natureza. Conforme mito Fulni-ô, os
homens eram animais em tempos imemoriais; entendê-los, portanto, é
elemento fundamental da cosmologia Fulni-ô.
Todos
os pequenos tinham recolhem lenha, e sabem a razão do trabalho:
alimentar a fogueira do Ouricuri durante a noite, quando ao redor dela
as crianças sentarão para ouvir as histórias do povo contadas pelos mais
velhos e com eles aprender sobre astronomia, valores, filosofia,
língua.
O
jovem professor Idiarrury Severo de Araújo passou por este processo de
aprendizado e hoje, na Escola Bilingue Antônio José Moreira, entende
essa prática como fundamental e parte do currículo da escola indígena de
seu povo.
“Lembro
de pensar quando eu era pequeno: foi imitando o gavião amarelo e a
jibóia que surgiram os guerreiros e caçadores de meu povo. Isso é parte
da educação diferenciada, do currículo e da escola”, explica Idiarrury.
Para Secretaria Estadual de Educação de Pernambuco, porém, não é bem
assim.
O sentido da escola
A
escola Fulni-ô foi fundada em 1988 por iniciativa da própria
comunidade, tendo à frente Marilene Araújo de Sá: “Temos que entender
que é assim: nós dizemos ao estado como tem que ser a nossa escola. É
preciso bater o pé e fazer o que tem que ser feito”, diz a indígena.
Quando
a ideia da escola surgiu ela veio acompanhada da necessidade de
preservação da língua, da cultura, além de resignificar tudo o que veio
de fora da aldeia no eclipse com as tradições do povo Fulni-ô.
Há
oito anos, o estado começou a criar vínculos empregatícios com os
professores. Dessa forma, passou a contestar e querer interferir na
metodologia e currículo da escola.
“Tínhamos
que mudar o nome da escola para homenagear políticos e personalidades
do Estado de Pernambuco. Esse não é o perfil da escola”, destaca
Idiarrury.
O
nome da escola é Antônio José Moreira. Homenagem ao professor de iate e
liderança dos Fulni-ô. Não sabia ler e escrever, mas foi um grande
professor, conforme seus alunos atestam. Era também poeta e profeta do
povo.
Discordâncias e resistências
As
polêmicas com o estado se avolumam, de acordo com os professores. Entre
setembro e novembro, os Fulni-ô entram na principal prática
ritualística do povo: o Ouricuri. Tudo para na aldeia, inclusive as
aulas. Por conta disso, o estado alega que a escola não cumpre as 200
horas-aula.
“O
Ouricuri faz parte da escola, da educação. O estado não quer entender
isso. Com o Ouricuri, passamos muito de 200 horas, porque é nele que nos
fazemos Fulni-ô”, protesta Idiarrury.
Os
Fulni-ô é o único povo que manteve a língua materna entre os povos
indígenas de Pernambuco. No nordeste, só no Maranhão há outros povos com
línguas preservadas. Dessa forma, as relações com o estado ganham em
complexidade.
Os
professores explicam que o estado também exige que todos descrevam o
ensinado nas aulas. Surge aí uma profunda dificuldade: o ensino do iatê é
intrinsecamente ligado ao Ouricuri, ritual sagrado e secreto, então
como descrever o ensinado se isso interfere numa tradição do povo.
“Tivemos
inúmeras reuniões, mas eles não dão ouvidos, porque querem nos
assimilar. A língua do nosso povo se proliferando é prova de que nossa
pedagogia é correta. Infelizmente a política de assimilação dos
diretórios pombalinos continua só que os diretores são outros”, ataca
Idiarrury.
Escola, território e currículo
A
escola é um território dos indígenas, defende Idiarrury.
“Territorialidade é um eixo e nele está ligado o território. A escola e a
educação são territórios. Dentro do território nós temos o físico, que
são as terras, nós temos o mental, o filosófico, nossa cultura material e
imaterial, a cosmologia, os costumes. Nossa mente é um território, que
ainda querem colonizar. Querem tirar o nosso modo de ver o mundo e
querem impor o deles”, entende o professor.
Para
Idiarrury, uma das condições estruturantes da colonização é a tomada de
território – e perversão da territorialidade. A escola, portanto,
quando sofre interferência do estado tenta ser dominada e colonizada.
“Então
se o estado vem e diz que não podemos contestar suas regras e diz que
as regras do estado é que devem ser estabelecidas, então ele está
tomando o que é nosso e colonizando. Não vamos deixar essa invasão
acontecer”, destacou Paulo Pontes Luz Fulni-ô.
Nessa
estratégia de resistência, uma das principais lutas dos professores
Fulni-ô é pelo currículo. O estado, dizem os educadores, defende que os
indígenas é que tem que definir o currículo da escola. Na prática,
contudo, isso não acontece.
“Quando
nossas propostas são feitas para os regionais, no nosso caso Garanhuns
(PE), o estado começa a dizer não para tudo. Por quê? Educação
diferenciada se dá pesquisando os valores do povo, entrevistando os mais
velhos, aprofundando na história, trazendo as crenças”, defende
Idiarrury.
Os
professores não perderam tempo e já definiram outro local de
aprendizado extraclasse: o conhecimento adquirido no campo de batalha do
Brasil branco, que não permite a pluralidade.
Leia
reportagem completa na edição de março do jornal Porantim. Foto: Renato
Santana – Da esquerda para a direita: Almir, Paulo e Idiarrury,
lideranças Fulni-ô
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