segunda-feira, 19 de abril de 2010

A prisão arbitrária de cacique Tupinambá: nota da Associação Brasileira de Antropologia.

NOTA:
A prisão arbitrária de cacique Tupinambá e a grave situação no sul da Bahia
As ações da Polícia Federal na Bahia no que diz respeito às populações indígenas vêm causando enorme preocupação entre os antropólogos. Causa-nos indignação observar a escalada de ações arbitrárias que estão sendo levados a cabo por uma instância administrativa que atua de forma cega e truculenta contra os movimentos sociais.
A prisão de Rosivaldo Ferreira da Silva, o Babau, destacada liderança nacional e cacique da comunidade Tupinambá de Serra do Padeiro, no município de Buerarema-BA, no dia 10 de março de 2010, constituiu caso exemplar de um conjunto de medidas – inadequado e com impactos propositadamente unilaterais - que são implementadas, sob a aparência falsamente legalista, por autoridades locais e agentes policiais naquela região.
As circunstâncias de sua prisão, por ele relatadas, evidenciam uma ação violenta e o desejo de intimidação. A casa na qual reside Babau, sua esposa e seu filho de três anos, foi invadida na madrugada do dia 10 de março por agentes policiais que sequer teriam se identificado ou exibido um mandato de prisão. Julgando tratar-se de pistoleiros que pretendiam matá-lo ou seqüestrá-lo, o cacique procurou reagir, havendo luta corporal.
Em decorrência da abordagem incorreta e com finalidades exclusivamente intimidatória praticada pelos policiais, o mobiliário da casa foi destruído e Babau teve ferimentos por todo corpo. Ainda em Salvador isto era evidente através de um hematoma no olho direito, que o impossibilitava de abrir o olho, e fortes dores próximas ao rim, que o impediam de sentar-se. Outro dado desta ação da Polícia Federal merece destaque: a viatura na qual o cacique foi levado preso partiu da aldeia às 02h30min da manhã e chegou apenas às 6:30 da manhã em Ilhéus, trajeto que demora no máximo uma hora. Nada foi esclarecido até agora pelas autoridades policiais.
O cacique Tupinambá foi indiciado em seis inquéritos: ameaça, tentativa de homicídio, lesão corporal, formação de quadrilha, incêndio criminoso e outros. Apesar de a maioria das acusações não possuir indícios concretos, Babau continua detido na sede da Polícia Federal em Salvador, sendo-lhe somente permitidas as visitas de familiares. Seu irmão também está preso e existem outros mandatos de prisão contra lideranças da comunidade Serra do Padeiro, com a claríssima intenção de, pelo medo, vir a desmoralizar e extinguir o movimento dos indígenas Tupinambás.
A tentativa de caracterização do cacique Babau como um indivíduo violento e perigoso, com uma conduta patológica e anti-social, tem sido uma constante e um pressuposto da ação da PF na região. Isto não resiste porém a um exame mais aprofundado e a uma mirada sociológica, realizada por estudos recentes desenvolvidos por antropólogos da UFBA e do Museu Nacional/UFRJ.
O cacique é o principal articulador das mobilizações indígenas da comunidade de Serra do Padeiro, possuindo inconteste legitimidade nesta comunidade da Serra do Padeiro (em boa parte constituída por seus familiares diretos). As estratégias utilizadas, pelos Tupinambás e diversos grupos étnicos no Brasil, questionam diretamente a morosidade no processo de demarcação de terras indígenas anteriormente apropriadas para fins privados. No intuito de acelerar o processo, os indígenas Tupinambás vêm ocupando antigas fazendas de cacau, a maioria destas em quase total abandono e, em todos os casos, com baixíssima ou nenhuma produção agrícola e/ou pastoril, localizadas dentro das delimitações cartográficas do mapa anexo ao laudo antropológico Tupinambá, elaborado e publicado pela FUNAI em abril de 2009.
A partir de 2008, a Polícia Federal, a propósito das reintegrações de posse expedidas pela Justiça, iniciou uma feroz perseguição ao cacique Babau. Nesta escalada de violências, da qual a ABA já informara ao MJ em outubro de 2008, se expressa com nitidez a estigmatização e o ódio de que são vítimas os indígenas e seus representantes pelas elites locais - os únicos beneficiários das ações repressivas e intimidatórias realizadas pela PF no estado da Bahia.
Ao invés de perigoso facínora, imagem atribuída a Babau por aqueles que são refratários aos avanços da demarcação de territórios étnicos, trata-se de uma das mais expressivas lideranças do movimento indígena brasileiro, uma personalidade bastante conhecida dos antropólogos pela lucidez e coerência com que argumenta e defende a valorização do patrimônio das culturas indígenas.
Causa espanto e revolta as diversas manifestações preconceituosas que questionam a identidade étnica dos Tupinambás, ancoradas em uma velha e ultrapassada herança colonial, em colisão direta com a Constituição Federal (1988) e a Convenção 169 (acolhida no Brasil em 2003). Ao buscar justificar por tais argumentos as ações punitivas contra o movimento indígena Tupinambá, a PF termina por respaldar um conjunto de imagens deturpadas, construídas pelo senso comum sobre os indígenas do Nordeste, e apenas contribui para interpor obstáculos absurdos à desejada viabilização dos direitos indígenas naquela região.
A Associação Brasileira de Antropologia vem assim – mais uma vez! – alertar a opinião pública e as autoridades competentes para a arbitrariedade e inadequação com que a PF no sul da Bahia vem executando suas ações contra os Tupinambá. A criminalização e encarceramento de lideranças indígenas, a campanha de intimidação das comunidades e o cumprimento violento de eventuais mandatos de reintegração de posse não conduzirão de maneira alguma à pacificação da região e ao reconhecimento de direitos constitucionais! O agravamento do conflito nestes últimos anos não admite mais soluções meramente burocráticas e rotineiras, executadas setorialmente por órgãos de governo. É necessária uma ação coordenada de diversos organismos governamentais, articulando a atuação do INCRA, do ITERBA e da FUNAI, cabendo a PF unicamente respaldar a implementação das medidas por eles propostas.

João Pacheco de Oliveira
Coordenador da Comissão de Assuntos Indígenas
Associação Brasileira de Antropologia/ABA
03-04-2010.

2 comentários:

Duda Quadros disse...

Vivemos momentos realmente alarmantes. Me foi enviado e-mail com várias matérias jornalísticas sobre o caso do Cacique Babau e o que se vê na imprensa bahiana não me pareceu em nada com um jornalismo que uma busca por fatos, uma imparcialidade profissional ou um trabalho investigatório responsável.

O que eu li foram textos que buscam sim ridicularizar a pessoa, inclusive fazendo alusão amistificações como ações do cangaço. Essas pessoas não fazem a mínima idéia do que foi ou significou o cangaço.

Isso é muito mais grave do que poderíamos supor pois, além dos aspectos envolvendo os desrespeitos humanitários, os procedimentos jurídicos arbitrários e realizados por autoridades com interesses locais e diretos, e as ações policiais deformadas, temos uma atividade premeditada de desacreditação pela imprensa, pela mídia, desqualificando e ridicularizando, inclusive nas imagens postas, a figura do Cacique.

Refiro-me aqui inclusive a textos que questionam a ancestralidade do povo e seu direito à reconquista de parte de suas terras originais.

Seria preciso que os responsáveis por tais jornais e meios de comunicação soubessem um pouco mais sobre História do Brasil, Antropologia, Sociologia, Código dos Direito Civis, Código dos Direitos Humanos e de como funcionam os processos de reconhecimento de etnias indígenas por parte do Governo Federal e seus órgãos competentes.

Se existem ONGs que estão no local "instigando" o Cacique, se este teve a oportunidade de estudar, se ele e seus parentes se miscigenarame possuem afrodecendência... E daí? Vão sim esses donos do poder local e da mídia comprada, estudar para saber um pouco mais sobre os fatos e então depois poderem se dar ao direito de publicar ou discutir algo sobre o assunto.

Libertem o Cacique Babau e reconheçam as lideranças indígenas, antes que estes processos, assim como tudo que é fundamentado na verdade e na justiça, caiam sobre suas cabeças. A Natureza é a base da força e os Encatados de Luz são a ancestralidade que ligam nosso mundo diretamente com o Pai Tupã.

Procurem, que vocês vão entender !!!!

Duda Quadros disse...

Duda,

Só uma observação: quem mandou os links das matérias para você fui eu. E mandei todos os que encontrei, com as mais diferentes versões sobre a ocorrência, dando conta, inclusive, da forte reação das organizações de defesa dos direitos humanos da Bahia frente aos fatos, porque percebi, pelo seu apelo, pela sua indignação, que você não estava acompanhando a mobilização dessas organizações. Abraço, Suzana.


Então Suzana,

Foi exatamente lendo as matérias que teci meus comentários. Não nego as fortes reações das organizações dos direitos humanos e outos movimentos da Bahia, as quais estão, inclusive, postadas no nosso blog www.atikumdagameleira.blogspot.com

O que eu tento chamar atenção é para o fato de que, afora estes espaços como o CMI (do qual faço parte), o blog do Gusmão e outras mídias alternativas, nos jornais e revistas de médio e grande porte como EPOCA E CORREIO, o tratamento destes últimos concretiza minha impressão de desconstrução da pessoa e descaracterização dos fatos. Assim eu senti.

Não vi a mesma observância, o mesmo cuidado, o mesmo tratamento que foi dado pelo CMI e pelo Gusmão (aliás este foi muito bom, pois mostrou até a quetão do médico que é publicamente contrário aos povos indígenas, se por "totalmente disponível, mesmo fora de seu plantão" para examinar o Cacique), mas tudo isso em espaços que não possuem o mesmo lugar de poder dentro da comunicação local, regional e ainda mais na nacional. E foi assim que me fundamentei para meu posicionamento. Veja a foto, o título e os textos que a revista publicou e que foi replicado, depois compare com a foto, o título e os textos publicados pelo CMI, mas quem conhece e acessa o CMI?

É neste sentido que reforço a necessidade de termos acesso a mais e melhores informações, notícias e trabalhos sobre essa e outras tantas situações semelhantes que ocorrem diariamente em nosso país.

Se minha leitura dos fatos estiver de alguma forma tomada de emoção e por isso não ter me permitido ser melhor observador, crítico e produzir uma melhor análise, inclusive por não conhecer as peculiaridades das realidades locais, tenho bastante referencias nas realidades de Pernambuco e sei o que ocorreu com Chicão Xuxuru e com Abdom Atikum e sei o que acontece hoje com Marquinhos e demmais lideranças indígenas.

Que pelo menos, suscinte o debate!

Abraços fraternos e de muita admiração
Duda